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Solidão

Se não temos aptidão para fazer amigos, remodelemo-nos até consegui-la. A solidão só vale como remédio, como jejum - não constitui alimento; o carácter, como Goethe o viu com tanta clareza, só se forma no tumulto da vida. Se nos tornamos excessivamente introspectivos, estamos na senda da perdição, ainda que o nosso negócio seja a psicologia; olhar com persistência excessiva para dentro de nós mesmos é provocar o desastre do jogador de ténis que conscientemente mede a distância, os ângulos e a força dos golpes, ou como o pianista que pensa nos dedos. Os amigos são necessários, não só porque nos ouvem, como porque se riem para nós; através dos amigos conseguimos um pouco de objectividade, um pouco de modéstia, um pouco de cortesia; com eles também aprendemos as regras da vida, tornando-nos melhores jogadores dos jogos que a compõem. Se queres ser amado, sê modesto; se queres ser admirado, sê orgulhoso; se queres as duas coisas, usa externamente a modéstia e internamente o orgulho. Mas o próprio orgulho pode ser modesto, raramente se deixando ver, e nunca se deixando ouvir. Não revelar muita agudeza: os epigramas tornam-se odiosos quando farpeiam fundo a carne; e adoptar como lema o De vivis nil nisi bonum. Nunca provar que um homem está errado; ele não o perdoará nunca. O «nada fazer» é uma das coisas mais preciosas do mundo; frequentemente vale muito o nada fazer, e é sempre uma boa coisa o nada dizer. Ninguém deve mostrar-se ansioso de proclamar a verdade. Aceitando as convenções que a sociedade estabelece, gozamos um pouco de liberdade dentro das suas leis; isso nos permitirá tudo, se o fizermos com elegância e não o andarmos a proclamar.

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