Debruçado sobre o lavatório, abri a torneira, tapei o ralo que havia na bacia e fiquei por algum tempo a ver jorrar a esperança dentro dela. Até então nada de novo, mas percebi que bem aos poucos esta esperança a bacia foi enchendo. Fechei a torneira logo em seguida , e retirando a tampa do ralo, vi que a mesma esperança foi se escoando de gole em gole. Goles que se não tinham qualquer coisa de humanos, eram cada vez mais tortuosos e profundos. Seria então esta a tal respiração que há no ralo? Ainda que seja, ou jamais! Por que só agora eu fui me dar conta de que esta respiração é a mesma que se dá dentro de mim? Talvez fosse por causa dessas incontáveis distorções que com o tempo acabaram se tornando meu costume. Não tendo educação suficiente pra saber como agir diante de tanta coisa fria e reta, inevitavelmente talvez eu tenha acabado me tornando também mais do que propenso a cometer toda e qualquer espécie de tolice que é possível. Tolices, ora pois, que nem mesmo são tão ingênuas assim. Tolices apenas, que por mais que tenham me impedido de me colocar de maneira decente diante de um mínimo de relevo mais terso, não me impediram de me colocar de modo mais decente diante de mim mesmo.
Quase tudo é um espelho? Independente de eu viver me deparando com os mesmos quase sempre, quase nunca consegui deslocar pra dentro deles o avesso que ainda persiste nos meus olhos.
Meus sentidos estão rangendo? Talvez eu já não saiba mais medir o tamanho da minha solidariedade perante os canos por onde tanta água circula pelo lado de dentro das paredes. Água que eu mesmo desejei e muito, inclusive, que um dia eu pudesse assimilar junto ao mar,ou a quem sabe a um céu azul, sem nuvens. Aonde jamais me foi dado o espírito das visões onde não se encastoam nuvens ou se rebentem tantas tempestades. Penso em água e logo tenho sede.
E longe de me dar por satisfeito, decidi repetir a operação!
Mergulhei só mais uma vez as mãos na minha esperança, mas retirei-as enquanto ainda parecia alguém sensato. Ou pelo menos antes que as mesmas mãos se arraigassem de uma vez por todas na tal água impura.
Quando acabei por destapar de novo o ralo sem querer, vi correr pra dentro dele a amizade - e pensei, (enquanto ainda reparava na potencia do redemoinho) - Não é desse jeito que também se escorrem os afetos? na bacia que, depois de certo custo nós enchemos e nos lavamos sem que um dia pretendêssemos deixá-la transbordar? Assim se escoam e sem regresso quase tudo o que um dia inexoravelmente presunçosos, acreditamos que podíamos possuir. E que ao invés disso, quase sempre se acabou rumando à um caos tanto maior quanto difícil de se contornar.
Caos defunto e maltrapilho. Caos que muito antes de ficar se corando (em)consciência de entristecer-se ou não só por causa disso ou daquilo, segue firme enquanto é caos, enquanto pode e é auto suficiente em sua falta de propósito. Seja ele caos sonoro ou seja ele nada além de um caos silencioso . Caos, que quer levite ou despenque de uma vez por todas, continua sua balbúrdia. Caos que não prescinde jamais em manter o seu charme e o seu jeito único e excitante de ser caos, de nos escapar. Caos saltitante. Caos que baila independente de tudo o que possa se esvair naturalmente ou da resistência invisível que o só o ar ainda lhe oferece.
Ar que que eu respiro dia após dia, que é o mesmo que eu não posso viver sem.
Ar que se renova desde a mais irrisória existência até a mínima possibilidade de haver caos.
Sobre a liberdade de expressão: Nada do que sei é meu, nem mesmo as lembranças que guardo em minha mente e coração. Isso pra mim é algo tão certo, como estou certo de que vou parar de pensar logo que meu coração parar de bater. Mesmo assim, posso fazer uso do que eu bem entender que possa pra mim trazer algum prazer ou alívio de viver.
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