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Uivo

Quando um cão uiva não há dúvida alguma de que o uivo do cão cresce na raiz de seus ossos. Cão algum uiva sem ter razão, e estando uma única vez esse cão predisposto e preparado pra tanto, fatalmente e por toda coragem que tem, ele mesmo já admite pra si o tanto que lhe deve doer ter que deixar tantos ossos espalhados e a mostra só pela necessidade de um único uivo. Mas nem por isso esse cão se confunde diante daquilo que o cerca. De algum modo, por mais que seu esqueleto e espírito estejam ambos perdidos, espalhados ou simplesmente não passem de boa parte do que agora jaz integrando-se ao pátio, esse cão ainda que desossado, observa uma peça de roupa branca dependurada no varal, uma pilha de tijolos mofando num quanto qualquer e ainda assim se admira. Quanta coisa me aproxima desse ser canino que obviamente pertenceu a um dono mais do que descuidado e indigno. Coisas que os meus ossos ainda não sentem na pele e que os meus olhos ainda não veem. Se eu percebo o quanto sou míope, mais a miopia me distancia do cão. Se eu acredito que tenho com ele uma afinidade e um parentesco enorme, aí vem o cão e late de volta pra mim. Que cão é este que me compreende e vê com maior profundeza do que a minha própria natureza é capaz de me permitir? Agora mesmo, ao encarar de perto tal cão zarolho, percebi que há um oceano enorme e gelado pesando em sua garganta. E apesar disso, de tão resolvido que este cão desgraçado ainda é, não me empresta qualquer nitidez pra que eu me possa enxergar só um pouco melhor do que ele.

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