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Tempestade em copo d'água

Me lembrei que um dia brincava de esconde-esconde com outras crianças, eu devia ter uns oito anos no máximo. Me lembrei que corria pelos terrenos baldios que cercavam minha casa, naquela época não haviam mais que seis casas no quarteirão inteiro, as ruas eram de terra e o asfalto mais próximo passava longe dali. Eu corria muito tentando fugir e me esconder pra durar mais tempo na brincadeira, o mato alto fazia de qualquer canto um belo esconderijo, mas eu sempre buscava o lugar mais inacessível pra tentar dificultar a tarefa do pegador.
Só que nesse dia eu não tive tanta sorte, tropecei numa pedra ou nas minhas próprias pernas e caí todo desengonçado em cima de um tronco de árvore muito pequeno, o tronco soltou uma farpa que mais parecia um toco de lápis, a farpa enorme entrou na minha perna causando um dor terrível, em apenas alguns minutos eu ja suava frio de dor e tive que desistir da brincadeira.
Fui pra casa e quando entrei vi minha mãe que passava roupa, sentei na escada com cara de coitado e não abri a boca sobre o que tinha acontecido, imaginava a bronca que eu ia levar caso ela descobrisse meu ferimento então achei melhor não conta-la, procurei resistir a dor firmemente. Mas eu suava frio, comecei a tremer, eu sentia frio e a dor era muito forte. Minha mãe me estranhou, ela notou que havia algo errado e me perguntou o que era, oque eu tinha de errado. Menti, disse que estava bem e que estava apenas impaciente . Minha mãe então pediu pra que eu fosse tomar um banho pois logo iria escurecer e eu ja tinha brincado bastante.
Eu disse que logo ia, mas não estava muito afim de um banho naquela hora, normalmente quando me machucava a ponto de chegar a sangrar eu detestava a idéia de ter que lavar o ferimento pois isso fazia arder muito. Mas não custou muito pra que minha mãe tivesse certeza de que havia realmente algo de errado comigo, meu comportamento era demais estranho.
Ela então disse que ia me dar um banho e eu fui quase chorando pois sabia que ela iria ver o meu ferimento, tirei a roupa e ja não tinha mais como esconder nada, agora ela podia ver e entender o porquê do meu comportamento. Contei a ela que tinha caído e que tinha e nesse momento eu ja não parava mais de tremer de frio, de dor e de medo. Ela pediu pra examinar melhor e arregalou os olhos quando viu a ferida, disse que eu devia tomar mais cuidado quando saísse correndo por aí e que achava que talvez precisasse costurar, que eu levaria alguns pontos. Ela me deu um remédio pois eu tinha febre, me deu banho e pediu que eu esperasse meu pai chegar e tratar de tirar a farpa em minha perna, enquanto isso eu urrava e não sabia se era pior ter aquela farpa me perfurando,presa a minha perna ou a dor que me causaria tentar tira-la de onde estava.
Meu pai chegou e assustou-se com meu jeito, Minha mãe contou-lhe o ocorrido e ele imediatamente providenciou uma pinça e álcool pra tirar a farpa, eu me deitei numa cama peguei um pano que eu pudesse morder enquanto ele fazia o que era necessário. A minha vontade era de gritar pois tirar aquela farpa era como deixa-la me perfurar de novo só que dessa vez eu saberia, iria observar enquanto a farpa transpassasse as camadas da minha pele, derme epiderme e outras que não sei o nome veria o sangue que flui rapidamente e isto não seria mais um acidente, assim como tirar a farpa não era, acidentes são coisas imprevistas que podem ferir as vezes, mas provocar a dor pra cura-la é algo muito difícil de entender, ainda mais quando se quer apenas que a dor acabe.
E imagine como devia ser antigamente aqueles feridos nas batalhas, nas guerras e até em outros casos em que a lesão era tão horrível que era necessário amputar algum membro do corpo, imaginei um coitado, pobre ferido , sua dor incontrolável e aí vinha alguém com uma serra manual , sem anestesia ou coisa alguma, apenas um pano na boca pra morder e umas quatro pessoas no mínimo pra segurar. Pensei também nos casos daqueles que têm o corpo perfurado por espadas afiadas, acho que em muitos casos se a espada fosse deixada no mesmo lugar a pessoa até viveria, só que seria algo esquisito ver alguem andando com uma espada enfiada no peito ou nas costas.

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