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Cigarro apagado e não há pelo menos um fogo-fátuo por perto.



Herculano resolveu ascender um cigarro. Olhou sobre a mesa cheia de objetos espalhados e viu o seu maço. Um Minister, unique, king size, marque of excelence, distinction and quality. Herculano havia visto muitos desse quando era criança, viu muitos adultos como ele é agora ascendendo esse mesmo cigarro. Lembrou-se de vê-los fumando. Na época Herculano ainda não sabia que gosto um cigarro tinha, só sentia o cheiro, sentia a fumaça que as vezes ardia em seus olhos que mesmo assim conseguiam ver os adultos que conversavam uns com os outros parecerem tanto mais pensativos quanto falantes enquanto fumavam.
Herculano então procurou pelo isqueiro. Não viu. Pensou numa caixa de fósforos, ele não tinha nenhuma. Ritualmente, Herculano havia organizado suas ações uma por uma. Limpou a casa, foi ao supermercado pois faltava algo pra preparar a comida. Voltou pra casa e sentou-se sozinho durante a refeição pois era quase três horas da tarde e todos que moravam com ele já haviam estado alí pra comer. Herculano comeu e depois subiu pro seu quarto nessa casa onde mora com mais seis pessoas. A casa está sempre cheia de gente, as pessoas entram e saem o tempo todo e até seria possível que houvessem seis ou mais pessoas num mesmo cômodo, mas Herculano subiu pro seu quarto sozinho. Por que ele quis continuar mais um pouco sozinho. Por que Herculano pensa que ficar sozinho as vezes faz bem.
Passaram-se cerca de quinze minutos em que Herculano estava no quarto, sua vontade de fumar havia aumentado e Herculano não havia ascendido nenhum cigarro ainda. Ficou pensando em como passar todo o tempo em que planejou permanecer alí dentro sem ter algo que produzisse fogo e por causa disso ter que descer até a cozinha toda vezes em que ele pensasse em fumar. Isso seria ruim, ele iria interromper o que estaria fazendo ou pensando em fazer várias vezes apenas por causa de um simples vício. Não faria sentido ficar subindo e descendo a escada todas as vezes que ele quisesse fumar a não ser que o exercício fosse o suficiente pra ajudá-lo a preservar seus pulmões.
Herculano resolveu então descer até a cozinha de uma vez por todas e saciar sua vontade de dar alguns tragos. Desceu a escada, ascendeu o cigarro no fogão com um isqueiro sem gás que só soltava faísca, e depois de ter dado seu primeiro trago começou a procurar por um outro isqueiro que talves funcionasse. Herculano revirou as gavetas e nenhum isqueiro, mas Herculano encontrou velas. Havia uma azul, uma amarela e uma vermelha, Herculano ascendeu a vermelha e resolveu mantê-la ascesa em sua mesa no quarto pois assim adiaria suas descidas até a cozinha. Herculano andou em direção a escada protegendo a vela com uma das mãos, subiu um, subiu dois, subiu três degraus e a vela de repente apagou. Herculano se aborreceu. Porém voltou logo até o fogão , ascendeu novamente a vela e reparou nos copos no escorredor na parede. Pensou em pegar um deles pra proteger a chama como dentro de uma redoma, virou-o de boca pra baixo e aproximou-o da vela como se ela estivesse bem no centro do copo e deixou um espaço onde o ar entraria por baixo. Então foi em direção a escada de novo, e pela segunda vez começou a subi-la. Pisou no primeiro, pisou no segundo, pisou no terceiro e no quarto degrau e a vela apagou mais uma vez. Herculano respirou fundo, olhou pro cigarro e ele já estava quase no meio. Voltou até o fogão e enquanto ascendia a vela mais uma vez , começou a perguntar a si mesmo o que pensava da fé. Herculano pensou, pensou, pensou, pensou muito e depois de tanto pensar viu que já estava na quarta ou sétima tentativa de manter a vela ascesa e o máximo que ele conseguiu foi subir com ela ascesa só até a metade da escada. Se deu conta que o cigarro já estava quase no fim e então resolveu desistir de descer até o fogão de novo. Subiu a escada correndo pois pensou que podia aproveitar o que ainda restava do seu cigarro pra tentar ascender a vela com um pedaço de papel que ele tivesse no quarto, e que ele iria atear fogo usando a brasa. Entrou apressado, fechou a porta, deixou o cigarro no cinzeiro e rapidamente se colocou a procurar pelo pedaço de papel antes que o cigarro se apagasse. A ideia de Herculano era queimar o papel e aproveitar a chama ascesa pra que ele finalmente também tivesse a vela ascesa, só que dessa vez em cima de sua mesa.
Herculano encontrou o papel, rasgou-o num bom pedaço e aproximou-o da brasa do cigarro quase apagado. Esperançoso Herculano então viu o papel começar a manchar-se de escuro e vermelho por causa da combustão, viu a brasa vermelha aumentando enquanto fazia um buraco no papel, mas não surgia chama nenhuma. Foi então até a janela ver se o vento o ajudava. Sentiu o vento no rosto, ansioso olhou para frente, olhou pro papel e a chama nada de se erguer. O cigarro então finalmente apagou e a sua vontade de fumar por um instante foi substituída por pensamentos sobre conhecimento e trato. Herculano não concluiu nada, a não ser que havia um sentimento de falta. Não sabia se era só por não ter um cigarro asceso, um isqueiro ou um fósforo, se foi por não ter mais brasa ascesa pra ascender na vela uma chama e por isso ele acabou até desperdiçando o papel e seu tempo. Herculano então desistiu de pensar, abriu a porta do quarto, foi de novo até a escada e quando se aproximou com seu segundo cigarro apagado nas mãos, olhou pela janela e viu que o bar da esquina já estava aberto. Herculano então se animou, voltou para o quarto, pegou uma moeda de pouco valor e sem contar os degraus foi até lá pra comprar uma caixa de fósforos dessas que ele sabe que tem pelo menos uns quarenta palitos, e só pra Herculano também não cometer a tolice de achar que poderá recorrer a algum fogo-fátuo que ele mesmo reconhece que difícilmente verá de perto enquanto não tiver fogo... mas mesmo que Herculano visse esse tal fogo-fátuo, Herculano duvidaria. E o tal fogo-fátuo por isso não duraria o tempo pra que Herculano ascendesse o terceiro cigarro.

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